19º Capitulo
Seu corpo, agora estendido na cama, doía muito mais, e a dor a impedia de relaxar completamente.
Deitou-se e, enquanto esperava o sono chegar, as lembranças vagavam em sua mente, como as imagens de um caleidoscópio.
Contar a ele cobre si mesma, sobre assuntos que ele guardara tão definitivamente, achando que nunca mais falaria sobre eles, chegava a ser inaceitável. "Como, de repente, confiara seus segredos a um completo estranho?".
Seus segredos... Quando pensou involutariamente essa frase, lembrou-se que foi uma das primeiras coisas que ele havia mencionado quando se falaram pela primeira vez.
(Lali) Então é verdade! Ele já sabia! Isso talvez seja uma prova de que ele é, de verdade, uma pessoa... talvez diferente! Não um vampiro, como ele diz ser, nisso eu não acredito, mas uma pessoa diferente, talvez sim! Se eu podia se considerada 'diferente', por que não poderiam existir outros na mesmas condições? Como fui burra em ter medo de meus dons!
Se existiam outros em iguais condições, teriam optado por fazer como ela? Teriam sufocado em iguais condições, teriam optado por fazer como ela? Teriam sufocado seus dons ou teriam feito como Peter e seguido em frente com eles? Teriam usados os seus dons para fazer brincadeiras inocentes ou teriam utilizado deles para fazer mal a outros?
De repente, Lali recordou de atitudes de algumas pessoas que agora, vistas por esse novo ângulo, lhe pareciam suspeitas. Pessoas que pareciam manipular outras facilmente, mas que se deram mal ao tentar fazer isso com ela. Pessoas que, instintivamente, ela havia "bloqueado", e que ela notara, na época, que recuaram diante dela, como se no fundo soubessem que lidavam com alguém do mesmo nível.
Nesse emaranhado de emoções, Lali adormeceu.
Ela mergulhou num sono profundo e sentiu seu corpo (que há poucos instantes parecia pesar uma tonelada) ficar leve como uma pluma.
E novamente estava lá, num lugar semelhante ao que ela havia sonhado dias atrás... Lá no alto, numa forma seráfica, sobre-humana. Como no sonho anterior, ela flutuava num espaço vazio, mas, desta vez, não via só escuridão.
Estava escuro, mas não um breu total. Podia distinguir uma luz. Havia uma luz diferente. Uma luz que não provinha de nada que ela lembrasse ter conhecido. Não era luz elétrica, nem um raio solar, nem do luar.
Era um brilho novo. Um brilho que logo descobriu vir dela mesma. Essa sua nova forma brilhava incessantemente. Não uma luz intensa e ofuscante, mas uma luz clara e traquila como a luz suave de um abajur num quarto escuro.
Mesmo num sonho, Lali tinha consciência de que não queria acordar.
Queria aproveitar o máximo daquela nova sensação. Experimentou movimentar-se e ficou surpresa em ver que bastava pensar naquela vontade e se movimentava, flutuando em outras direções. Pairava no ar de vez em quando, como um colibri quando quer sugar o néctar de uma flor. Deslocou-se no espaço vazio, flutuando. Rodopiou no ar sentindo que ele passava através dela, fazendo parte da sua nova forma.
Essa forma parecia com partículas de poeira quando expostas à luz do sol. E tinha um brilho maravilhosamente belo.
Quando se deslocou mas para baixo, começou a distinguir formas. Percebeu que se encontrava numa altitude muito grande quando descobriu que as formas que via eram pontículos de luz da cidade lá em baixo.
Desceu mais, no sentido diagonal, até ver o topo dos edificios mais próximos de si. Só depois que se deslocou para perto das construções é que pôde ver que o local em que estava antes era acima do mar. Olhando para trás, via um mar imenso e negro. Suas águas escuras refletiam a luz da lua e as luzes das cidade, dado a Lali a impressão de presenciar um lindo cartão postal.
Concentrou-se nos edifício. Nunca havia visto um edificio deste ângulo, a não ser em imagens da televisão. Essa era a impressão: era como se ela estivesse assistindo a um documentário e as câmaras fizessem tomadas aéreas mostrando a cidade vista de cima. Só que agora, a câmera era ela...
Sim... Lali se divertia flutuando acima dos edificios, contornando-os e observando através de suas janelas. Algumas estavam fechadas e tinham luzes apagadas, outras estavam abertas, e podia ver que as pessoas estavam acordadas, ocupadas em seus afazeres. Numa janela, viu uma mulher servia o jantar ao marido que acabara de sair do banho. Numa outra, uma criança chorava no berço, fazendo uma mãe, embriagada pelo sono, acordar e niná-lo ainda sonolenta.
Ninguém pareceu perceber sua presença.
Num determinado momento, um gato, que passeava num peitoril de uma das janelas, arrepiou seus pêlos e deu um miado sufocado, quando ela passou através dele, provando a morte do animal.
Lali riu desse momento. Era incrível como podia ver tudo e todos e ter a certeza de que ninguém a via!
Fez esse passeio noturno durante um bom tempo, até cansar de olhar as pessoas e seus afazeres.
Resolveu deslocar-se novamente para o alto, mas antes voltou para ver a beleza do mar. Seguiu até ele, admirando sua imensidão majestosa. Deu algumas voltas acima dele e subiu mais e mais, até o local em que estivera quando o sonho se iniciou.
Era maravilhoso sentir a solidão da noite...
E foi lá em cima que percebeu que não estava só.
Outras "pessoas" pareciam ocupar o mesmo espaço que ela. Pessoas que ela não tinha visto antes. Pessoas que não eram os humanos que ela havia visto nas janelas dos edifícios.
Aproximou-se mais, olhando mais de perto e pôde ver: DEFINITIVAMENTE, NÃO ERAM HUMANOS...
CONTINUA
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