Reviver aquele filmezinho deu-lhe uma tristeza tão profunda no coração, que Lali sentiu vontade de chorar. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Sentiu pena daquela menininha de 8 anos, como se aquela criança infeliz não fosse ela.
Essa lembrança toda lhe veio à mente num flash.
Pareceu-lhe que revivê-la tinha-lhe tomado muito tempo. Porém, mais uma vez, essa lembrança tão dolorosa havia lhe custado apenas alguns segundos.
Como que saindo de um sonho, Lali continuou a ler detalhadamente as sugestões de Peter.
Fixou a atenção no item 2:
Sim, claro! Claro que lhe ocorria de, de vez em quando, pensar em alguém e esse alguém lhe ligar ou enviar e-mail, ou encontrar-se com determinada pessoa, por acaso, e essa pessoa dizer-lhe: "estava pensando em você agora!!!".
Muitas vezes, sem motivo algum, pensava incessantemente em alguém e quando decidia telefonar-lhe, ouvia-a dizer: "Você não vai acreditar, mas eu ia ligar para você agora; preciso muito de você!".
Mas isso acontecia com todo o mundo... Ou não? Não era coincidência?
lali começava a duvidar de se o que lhe ocorria com tanta naturalidade era uma coisa normal de todos os seres humano, agora que começara a ver sob um novo ângulo.
(Lali) Droga! Ele está conseguindo me deixar confusa de novo!
E quanto aquela história de "maldadezinha" mencionada no item 3?
O que ele queria dizer com isso? Seria o que ela estava pensando? Seria um daquele momentos em que, no íntimo, a gente deseja mal a alguém que nos fez algo de ruim, e inconscientemente pensamos "Tomara que tropece" ou "Tomara que caia", e surpreendentemente vemos nosso desejo realizado? Será que esses episódios só aconteciam com ela ou outras pessoas já tiveram experiências desse tipo e logo classificavam de coincidência para não se sentirem culpadas e mesquinhas por ter desejado mal ao próximo? Não era ssim que ela também havia aprendido a fazer?
Essas perguntas acionaram o botão do filmezinho em sua cabeça e Lali se viu num outro momento da sua vida. Ela lembrava com muita nitidez porque não se sentira culpada e nem se deus ao trabalho de classificá-la como coincidência. A pessoa em questão havia levado o que merecia e só restou dessa história um certo medo por imaginar que o desfecho poderia ter sido um pouco pior do que só um susto. Lali lembrou de cada detalhe, e agora o que o lembrava, saboreou a vingança mais uma vez:
Foi com uma colega de trabalho. Não desse trabalho que fazia agora, mas de um trabalho anterior. Quando ainda tinha 18 anos. Essa colega se chamava Esperança Bauer (com nome e sobrenome, como gostava de ser chamada). Era chata, prepotente e, por ter um curso superior e ser formada em sei-lá-o-quê, achava-se superior aos outros. Às vezes, agia como uma pessoa normal, mas logo o nariz empinava e julgava-se um ser diferente dos demais mortais. Esperança Bauer não era sua chefa, mas agia como tal, já que estava lhe ensinando um trabalho novo. Não tinha muita paciência e, se não fosse a agilidade e a inteligência de Lali, o trabalho nunca seria aprendido com a rapidez com que ele foi.
Um dia Lali cometeu um pequeno erro e logo Esperança Bauer riscou seu trabalho inteirinho, obrigando-a a refazê-lo totalmente, quando se ela não tivesse riscado, poderia recuperá-lo em parte. E Esperança fazia isso sempre. Na maioria das vezes, não havia erro algum. Ela simplesmente não gostou. E riscava todo o trabalho.
Numa ocasião dessas, elas se encontravam na sala em que Lali ocupava. Esperança, mais uma vez, adiantou-se em riscar um trabalho de Lali, sem nem mesmo conferi-lo integralmente. Lali interveio, argumentou e segurou sua mão antes que ela pudesse riscá-lo. Esperança não gostou de ver seu passatempo predileto ser interrompido e gritou com Lali.
Lali se recordou da humilhação que sentiu quando Esperança proferiu palavras do tipo "...tenho que aturar gentinha desse tipo. Poderia estar na fazer do meu pai, não sei o que estou fazendo perdendo meu tempo aqui."
Lali lembrou-se de o seu coração ter sentindo uma raiva repentina e sentir o sangue ferver em seu íntimo. Nesse exato momento, Esperança abriu a tampa de uma pesada caixa de madeira que continha um arquivo de pastas suspensas. A tampa também era bastante pesada e era segurada por duas grandes dobradiças. A tampa estava lá, fixa, no seu lugar de sempre, depois que Esperança deixou a caixa aberta. Continuava a falar, despejando palavras humilhantes, enquanto examinava uns papeis retirados de dentro da caixa. Deixara a caixa aberta, justamente porque tencionava colocar papeis de volta.
E a tampa lá... quietinha... paradinha... fixa no lugar de onde fora colocada.
E Lali, sentido a raiva ferver seu sangue, fixava o olhar na tampa da caixa.
E então aconteceu:
Esperança virou-se para colocar os papeis de volta e a tampa bateu pesadamente. Se ela não fosse extremamente rápida e, num gesto instintivo, puxasse a mão com uma agilidade felina, ela teria seus dedos quebrados pelo peso da tampa. E a tampa não só havia se fechado, escorregando das dobradiças; ela batera violentamente, como se tivesse sido empurrada por mãos invisíveis.
Esperança olhou para Lali lívida. Pálida, da cor de cera, mal acreditando no que acabara de lhe acontecer.
Balbuciou algumas as palavras: "Você viu?!". "Você viu?!".
E saiu apressadamente da sala, olhando assustada para Lali, que não dizia nada, apenas continuava a fixar a tampa com uns olhos incrivelmente escuros e sombrios e um imperceptível sorriso no canto dos lábios...
terça-feira, 3 de maio de 2011
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