Vampiro diz: Temos? Tem certeza? Só cinco sentidos?
Lali percebeu um tom de zombaria nas palavras, ou havia sido somente impressão?
Solitária diz: É... É claro! Não são cinco sentidos?
Respondeu meio hesitante, mas não querendo deixar transparecer que ele tinha o poder de deixá-la em dúvida até com uma questão tão óbvia!
Vampiro diz: Quais são eles Lali?
Solitária diz: Ok. Vamos lá. Vamos voltar ao pré-primário: visão, olfato, audição, paladar e tato. Cinco, não? Você pode contá-los na tela...
Lali ironizava, mas a resposta dele veio carregada de seriedade. Pelo menos foi essa a impressão que ela teve.
Vampiro diz: Não, Lali. Isso foi o que lhe ensinaram na escola. Esses são os sentidos que os cientistas conseguiram provar, reproduzindo suas "sábias" experiências em laboratório. Esses são os sentidos inquestionáveis, que nenhum ser humano hesita em apontar, pois está mais que provado que eles são reais e "palpáveis". Óbvios até, não são? Mas e os outros???
Solitária diz: Outros? Quais? Agora é a sua vez de enumerá-los para mim, Peter.
Vampiro diz: Não tenho nomes cientificos para eles, portanto, dê-lhes os nomes que quiser. Garanto-lhe que logo irá identificá-los.
Solitária diz: Prossiga, não enrola...
Lali agora se sentia dona da situação, tinha conseguido encurralar aquele mauricinho de meia-tigela, em seu terreno: uma questão óbvia, inquestionável e... real!
Vampiro diz: Não estou enrolando Lali. Estou procurando uma maneira de lhe explicar. É muito fácil falar de coisas reais, mas escrever sobre sentimentos não é uma tarefa das mais fáceis.
Lali manteve-se quieta, sem digitar nada, esperando o que viria a seguir, ou melhor, divertindo-se por vê-lo todo enrolado.
(Lali) Finalmente o peguei!... He, he, he...
Mas o que foi lendo a seguir causou um abalo em sua segurança.
Ele havia escrito:
Vampiro diz: 1- Você nunca teve um "palpite" de um acontecimento antes de ele ocorrer?
2- Nunca lhe aconteceu de estar pensando numa pessoa que não vê ou com quem não fala há muito tempo e ela, de repente, lhe telefona e diz: "Estava pensando em você agora, Lali!". Quantas vezes já lhe aconteceu isso, para que você os pudesse classificar como coincidência?
3- Quantas vezes você quis, mas quis muito mesmo, uma determinada coisa e sem pensar, sem deixar o seu consciente ou a sua consciência lhe podar, conseguiu o que queria? Até mesmo uma "maldadezinha" da qual, depois, a sua consciência fez você se arrepender e até arranjar uma desculpa, fazendo-a crer que foi só coincidência e não que você teria o poder de matar uma pessoa, com a sua vontade, só porque teve raiva dela, não é? E quem disse que a você que não pode fazer isso?
À medida que ia lendo o que ele escrevia, Lali via um filmezinho passando em sua cabeça. Estava sugestionada por suas palavras ou ele estava descrevendo fatos da sua vida?
"Algum acontecimento antes de ocorrer?" Claro! Não foi por isso que ela levou bronca quando pequena? Não tinha sido isso que teve que sufocar certos "acontecimentos"?
Sua mente viajou para quando tinha 8 anos...
Estava no banheiro da casa dos seus tios. Tomava um banho num dia quente de verão e sentia a água fria bater em sua pele. Aparou um pouco de água, juntando as mãos, formando uma concha e fechou os olhos para lavar o rosto. Foi quando, na escuridão que se formou, "viu" um nome escrito. Parecia umas letras soltas brilhando no escuro como as letras de um letreiro piscando em néon: "EDUARDO".
Assustada, abriu os olhos.
Terminando o banho, enxugou-se rapidamente e saiu do banheiro. Foi ao encontro da sua tia e contou-lhe o ocorrido. Lembrou da expressão do rosto dela, quando lhe disse o nome que "vira". Uma expressão preocupada. Na inocência dos seus 8 anos, Lali não soube decifrar se a preocupação era com ela ou com o Eduardo mencionado. Lembrou-se da sua tia lhe explicando que o Eduardo era um primo distante.
Como Lali era filha adotiva, era como se Eduardo fosse seu primo. A tia Cielo lhe explicou pacientemente que Eduardo era filho da irmã do seu tio Bartolomeu, mas que eles não se viam há algum tempo.
Não demorou mais que cinco minutos, o telefone tocou e era a referida irmã do tio!
Tia Cielo atendera o telefone e, olhando para Lali com uma cara séria e feia, como se ela tivesse feito alguma coisa errada, repetiu o que a irmã do tio Bartô dizia:
Como, Malvina? Eduardo sofreu um acidente?
Depois disso, Lali não lembra de muitos detalhes.
Cenas confusas aparecem em sua memória, em que vê sua tia correr para o marido levando a notícia, mas não sem antes deixar de dar mais uma olhada intrigada para ela. Alguns dias depois do acidente, ela lembra da tia perguntando-lhe mais uma vez como ela tinha "visto" o nome Eduardo aparecer durante o banho. Depois, lembra de ter ouvido os tios conversando baixinho e, dentre algumas palavras soltas, Lali conseguiu captar "estranho", "coisa do demônio", "coincidência" e deixa-pra-lá. Não se falou mais no assunto.
Até o outro dia...
Lali brincava com suas irmãs adotivas (mais velhas do que ela) e a brincadeira estava tão boa que ela ainda não haviam tomado banho no horário exigido pelo pai delas (no caso de Lali, pelo tio). De repente, Candela, a mais velha, lembrou-lhes que a qualquer momento seu pai poderia chegar e Lali havia dito, displicentemente, que não se preocupassem, pois ela saberia quando ele estivesse chegando.
Nesse ponto, a brincadeira parou. Suas irmãs fizeram uma pausa e ficaram olhando para ela com uma expressão de dúvida no rosto. Perguntaram-lhe: "Como você pode saber se ele está chegando? Vai ficar de vigília olhando pela janela?". E ela respondeu, cheia de certeza e achando aquilo a coisa mais natural do mundo: "Não, eu sei! Vocês não sabem? É só fechar os olhos e a gente 'vê' ele chegando!"
Daí a brincadeira foi interrompida de vez e suas irmãs resolveram fazer com que la provasse o que dizia.
Lali fechou os olhos e nada aconteceu. Esperou aquele arrepio conhecido, que ela sentira várias vezes, percorrer seu corpinho e... nada!
Suas irmãs relaxaram e a chamaram de boba. Mas logo em seguida, Lali foi sentindo seu corpo sendo invadido por um arrepio gostoso e gritou, de olhos fechados:
"Esperem! Esperem! Ele vem vindo! Está... Está... atravessando a rua. Sim, está agora chegando no portão de casa.".
E quando abriu os olhos, viu suas irmãs olharem da janela para ela, com uma expressão horrorizada, ao confirmares que seu pai estava abrindo o portão e entrando em casa no exato momento em que Lali fechou a boca...
Lali demorou muito tempo para descobrir que elas não estavam zangadas pelo fato de ela não o ter "visto" antes de ele descobrir que elas ainda não haviam tomado banho...
Estavam zangadas por acharem-na esquisita.
Depois das palavras da sua tia, do seu tio e das caras enojadas das suas irmãs, Lali não mais lhes contou quando algo daquele tipo ocorria.
Apesar de pequena, alguma coisa dizia-lhe que aquilo não era comum, que aquilo não era coisa que todo mundo fazia, como ela pensava de início.
Com o passar do tempo, à medida que crescia, deixou de fechar os olhos para "ver" o que queria e, sem saber, havia sufocado um dom.
sábado, 30 de abril de 2011
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